
Amaggi e Ramax pagaram pelo mesmo cereal, mas apenas uma recebeu a carga
Vilhena, RO - Uma disputa judicial pela posse de 18,2 mil sacas de 60 quilos de milho, cerca de mil toneladas, colocou em lados opostos empresas que não se relacionaram diretamente na negociação dos grãos: a Amaggi, maior trading agrícola de capital nacional, e a Ramax, companhia que atua no ramo pecuário e na exportação de carnes. As duas pagaram pelo mesmo cereal, mas apenas uma recebeu a carga.
O conflito começou quando o produtor Marlon Engler emitiu uma Cédula de Produto Rural (CPR), em fevereiro de 2024, em favor da Amaggi para financiar sua lavoura de 780 hectares de milho. Como garantia, ofereceu o penhor dos grãos, no total de 70 mil sacas, caso não pagasse pelo título, o que foi registrado em cartório com preferência e sem concorrência de terceiros. Ou seja, a quantidade combinada deveria ser enviada à Amaggi para quitar a dívida, que vencia em julho passado.
Após a colheita, no entanto, a carga não foi entregue à Amaggi para cumprir o compromisso. Parte da produção (18,2 mil sacas) foi vendida para a Ramax, que usa o cereal na alimentação de 10 mil cabeças de gado confinadas em Novo Horizonte do Norte (MT).
Sem receber pela CPR, a Amaggi acionou a Justiça para poder buscar os grãos. A empresa chegou a incluir no processo imagens de satélite que mostram a lavoura que lhe foi dada em garantia pronta para a colheita e o monitoramento que comprova a movimentação de caminhões do campo para a Ramax.
Após idas e vindas na Justiça de Mato Grosso, a Amaggi foi autorizada a arrestar os grãos que estavam armazenados na sede do confinamento. A operação começou no sábado (11/1), mas foi paralisada na terça-feira (14/1), por força de uma nova decisão judicial que atendeu pedido da Ramax.
Na quinta-feira (16/1), depois de outra reviravolta jurídica, a retirada do milho foi retomada e duas carretas foram carregadas. Até o momento, oito cargas com cerca de 6,5 mil sacas de milho já foram retiradas de silos-bolsa e enviadas para propriedades da Amaggi.
A trading informou que serão necessários 23 caminhões para fazer todo o carregamento dos grãos, que estão armazenados em silos-bolsas, ao ar livre, no confinamento. “Chegando lá a gente constatou que alguns silos estavam danificados, então parte do milho acabou caindo para fora do caminhão. Estamos tomando todas as cautelas para minimizar qualquer impacto”, afirmou Marcelo Fraga, gerente jurídico da Amaggi.
Magno Gaia, CEO da Ramax, disse que a aquisição foi feita de boa-fé e que não sabia da vinculação daqueles grãos com a Amaggi. Ele comprovou o pagamento feito a Engler por meio das notas fiscais, de junho de 2024, no valor de R$ 583,9 mil. O milho foi entregue em maio passado e já consumido para alimentação dos animais.
A principal queixa do empresário está na tramitação do processo. Ele disse que a Amaggi teria perdido o prazo para apresentar o recurso no decorrer da ação e que as decisões de autorização do arresto são intempestivas. “O que mais nos assusta é a insegurança jurídica a que estamos submetidos. Como pode um processo ser ressuscitado das cinzas, sem justificativa, com decisão tendenciosa e o jogo ser virado?”, indagou em entrevista.
“O Tribunal de Justiça entendeu que o recurso da Amaggi era tempestivo, tanto que ele acolheu o recurso e determinou o prosseguimento do arresto. Então, essa é uma questão superada”, argumentou Fraga, da Amaggi.
O CEO da Ramax reconheceu que o confinamento não consultou o cartório para verificar a existência da CPR e de ônus vinculado a ela. “Essa, de fato, foi uma falha do processo de compra, que está corrigido agora”, disse.
‘“A Ramax deveria ter respeitado o penhor da Amaggi, que está devidamente registrado em cartório, é público. A empresa não fez a devida diligência, se tivesse feito, saberia que o milho estava dado em garantia e teria evitado todo este transtorno. A boa fé de uma empresa não se sobrepõe às garantias devidamente registradas. A segurança jurídica das negociações é de extrema importância, senão gera um efeito dominó nos descumprimentos”, afirmou Fraga.
Ainda cabe recurso à Ramax. “Se a Ramax assumir a sua parcela de culpa por não ter exigido a certidão de penhor e buscar um caminho de composição, talvez a gente encerre antes essa discussão”, afirmou Fraga. O advogado da Amaggi disse, sem citar números, que conseguiu arrestar parte da produção de Engler, mas a empresa ainda busca parte do produto que foi desviado.
Gaia ainda criticou a “truculência desproporcional” adotada na ação de arresto, considerada ilegal por ele, e alegou que sua empresa foi arrombada e invadida para a busca do milho, com aval da Justiça mato-grossense.
A Amaggi rebateu afirmando que os funcionários da Ramax criaram uma série de embaraços para tentar impedir a coleta e pesagem dos grãos. E o dono da empresa teria inclusive ofendido o oficial de justiça e o advogado que acompanhavam a atividade.
Ele disse que a empresa tem enfrentado “enormes prejuízos financeiros” com a ação e afirmou que o “confisco” dos grãos gerou maus-tratos aos animais do confinamento, que ficaram sem comida. Gaia prometeu prosseguir com o processo em outras instâncias.
Procurado pela reportagem, o Marlon Engler não respondeu às mensagens nem atendeu às ligações. Ele teve o pedido de recuperação judicial deferido em julho de 2024, com dívida total de R$ 13,8 milhões. Apenas para a Amaggi, os débitos são de R$ 6,9 milhões. Na quinta-feira, 16, houve a assembleia dos credores para aprovação do plano de pagamento, mas a reunião foi suspensa e remarcada para 23 de fevereiro.
Os passivos oriundos de CPRs não entram nas recuperações judiciais, pois são considerados extraconcursais e, por isso, podem ter garantias executadas, como o penhor.
Fonte: Globo Rural
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