Argentina passa a se posicionar contra a tributação de super-ricos, principal bandeira do Brasil na presidência do grupo. Governo de Milei também levanta objeções a metas para o desenvolvimento sustentável
Foto: Luis ROBAYO / AFP
Vilhena, RO - O governo de Javier Milei vem ameaçando o consenso de uma declaração conjunta dos líderes da Cúpula do G20, que se reúnem no Rio de Janeiro a partir desta segunda-feira (18/11). A Argentina se opôs a três pontos negociados: a tributação de super-ricos, principal bandeira do Brasil na presidência do grupo, a questões de gênero e a metas para o desenvolvimento sustentável.
Há meses, os negociadores dos países vêm trabalhando na declaração final, mas a versão preliminar ainda não está pronta. Uma das principais controvérsias era se e como fazer menções às guerras na Ucrânia e em Gaza. Os Estados Unidos, a Argentina e países da União Europeia gostariam de condenar enfaticamente a invasão da Rússia, mas Moscou se opõe. E países do Sul Global gostariam de uma condenação dura a Israel, o que também acaba bloqueado pelos Estados Unidos.
No entanto, a Argentina passou a se opor a pontos que até agora eram aceitos pelos representantes do grupo, que reúne 19 das maiores economias do mundo, a União Europeia e a União Africana.
Crítico de organizações multilaterais e da ordem global definida após a Segunda Guerra Mundial, Milei mudou os rumos da política externa argentina. Ele deixou claro essa mudança no discurso que fez na Assembleia Geral da ONU, em setembro.
“A Argentina não acompanhará nenhuma política que implique a restrição das liberdades individuais, do comércio, nem da violação dos direitos naturais dos indivíduos. Não importa quem a promova e que consenso essa instituição tenha”, disse Milei, acrescentando que seu país agiria a partir dos princípios de defesa da vida, da propriedade, liberdade de expressão, de culto e de comércio.
Agenda 2030
No G20, o governo de Milei colocou em prática essa orientação e se recusou a assinar documentos prévios sobre igualdade de gênero e desenvolvimento sustentável, baseados na Agenda 2030 da ONU, que prevê 17 objetivos e 169 metas para erradicar a pobreza e promover uma vida digna a todos, abrangendo as dimensões social, ambiental e econômica.
Entre os objetivos do documento assumido por 193 países em 2015 estão alcançar a igualdade de gênero e empoderar meninas e mulheres, promover o crescimento sustentável e tomar medidas urgentes para combater a mudança climática.
Milei acusou a Agenda 2030 da ONU de “avançar contra as liberdades individuais”. Negacionista do clima, o presidente argentino também ordenou a retirada da delegação argentina 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29) acontece em Baku, no Azerbaijão.
Surpresa sobre taxação dos super-ricos
A oposição a taxação dos super-ricos surpreendeu, pois a Argentina havia assinado em julho um acordo sobre conceitos básicos para um imposto global. Essa tributação é uma das principais bandeiras do Brasil para o G20.
O objetivo é fazer com que os quem tenham uma fortuna superior a 1 bilhão de dólares, universo estimado em cerca de 3 mil pessoas, pagassem no mínimo, anualmente, uma tributação equivalente a 2% de sua fortuna. O que resultaria em uma arrecadação de até 250 bilhões de dólares por ano.
A medida busca combater uma dinâmica prevalente no mundo, na qual os muito ricos pagam, proporcionalmente, menos tributos que a classe média e os pobres. Os recursos extras poderiam ser utilizados, por exemplo, para reduzir a desigualdade, ampliar a capacidade do Estado de fornecer serviços públicos e apoiar a transição para uma economia verde.
Os países do G20 se comprometeram, em uma declaração em julho, a cooperar para uma tributação justa e progressiva, “que garanta que os indivíduos ultrarricos sejam efetivamente tributados” – ainda muito longe da adoção concreta da proposta pelos países. Mesmo assim, o ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, considerou esse ponto o maior legado da presidência brasileira do G20.
No entanto, agora, Milei se diz contra a proposta. Diplomatas brasileiros acreditam que a eleição de Donald Trump, para a Presidência dos EUA, possa ter impulsionado a posição do presidente argentino, que é fã do republicano. Durante a campanha, Trump prometeu cortar impostos.
Ofensa diplomática
As grandes dúvidas, no momento, são se haverá um consenso em relação à declaração final do G20 e se Milei vai se recusar assinar o texto, o que pode ser considerado uma ofensa diplomática ao Brasil.
As relações entre os atuais governos do Brasil e Argentina são marcadas por trocas de fardas. Nas eleições argentinas de 2023, Milei recebeu o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro. Já o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou apoiar à candidatura de Sergio Massa, aliado do ex-presidente Alberto Fernández.
Desde a eleição de Milei, ainda não houve uma reunião dos líderes dos dois países. Em julho, o argentino chegou a vir ao Brasil para participar de um evento ao lado de Jair Bolsonaro, em Balneário Camboriú.
Fonte: Carta Capital
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